(378) – A POMBA 2

O “Cântico dos Cânticos”, segundo o ‘DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DA BÍBLIA’, Editora Vozes, é um livro de difícil interpretação. Existem numerosas e mui divergentes opiniões de muitos autores.

Orígenes, o maior teólogo até o terceiro século, vê no livro dos Cânticos, a história de uma pastora que fora sequestrada por Salomão e enclausurada no seu harém, mas que continuava fiel ao seu primeiro amor.

No dicionário de Davis, lemos a história da camponesa, desposada com um aldeão. Salomão e seus companheiros veem-na passeando pelas bandas do norte (Ct. 6:10-13). Levada a Jerusalém, rodeada das damas do palácio, recebe homenagens do rei com o fim de ganhar-lhe o afeto. A donzela resiste a esses encantos, aos galanteios de Salomão. Ela responde a Salomão enaltecendo as qualidades da alma do aldeão; suspira por ele durante o dia e sonha durante a noite, e conserva-se fiel a seus votos de esposa.

Afinal, separam-se dela os que a cortejam, e reúnem-se para admirar o valor com que resiste a todos os admiradores (Ct. 8:5-7).

Salomão aparece sempre como o sedutor perigoso, tentando persuadir a donzela a trair seu amado esposo (Ct. 7:1-9).

O poema, segundo este modo de ver, celebra o amor puro que resiste a todas as tentações de uma corte, com as artes sedutoras de um rei. Este modo de ver e entender chama-se “HIPÓTESE DO PASTOR”, e baseia-se nas exclamações apaixonadas, dirigidas ao amado ausente (Ct. 1:4,7; 2:16).

Outros intérpretes, principalmente os da Inglaterra, veem na Sulamita, não a camponesa, mas a filha de Faraó e esposa de Salomão. Ela é estrangeira, de cor morena e filha do príncipe (Ct. 1:5; 7:1).

Alguns autores pretendem aplicar o Cântico dos Cânticos à Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, baseados em Mt. 9:15; 2 Co. 11:2; Ef. 5:23-32; Jo. 3:29. Esta interpretação não cabe, porque Cristo só vai desposar a Igreja depois do arrebatamento, na sua segunda vinda (Ap. 21:2-3).

Mas alguém dirá: Mas em Jo. 3:29 lemos que Jesus já é o esposo, e em Mt. 9:15 lemos que Jesus, o esposo, seria tirado. Jesus declarou: “Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt. 15:24). Por esta declaração, Jesus veio para ser o esposo de Israel, isto é, o Messias prometido que iria reinar no trono de Davi. Leiamos o que disse Gabriel, anjo de Jeová, à Maria: “Eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e por-lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado Filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim” (Lc. 1:31-33). Mas Jesus foi rejeitado e crucificado pelos judeus (At. 2:36; 5:30-31; 13:27-33). Assim não se cumpriu o oráculo de Jeová, quando lemos: “VEIO PARA O QUE ERA SEU, E OS SEUS NÃO O RECEBERAM” (Jo. 1:11).

Há outro detalhe no livro de Cantares de Salomão que não pode se aplicar à Igreja. O livro exalta a beleza corporal: “Que formosos são os teus pés nos sapatos, ó filha do príncipe! As voltas de tuas coxas são como jóias, trabalhadas por mãos de artista. O teu umbigo é uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como o monte de trigo, cercado de lírios. Os teus dois peitos como dois filhos gêmeos da gazela” (Ct. 7:1-3). Além de exaltar a beleza corporal, o livro tem caráter erótico e é ofensivo aos bons costumes: “Já despi os meus vestidos; como tornarei a vestir? Já lavei os meus pés; como os tornarei a sujar? O meu amado meteu a sua mão pela fresta da porta, e as minhas entranhas estremeceram por amor dele”. (Ct.5:3,4). “De noite busquei em minha cama aquele a quem ama a minha alma; busquei-o, e não o achei” (Ct. 3:1; 1:13). Estas expressões de caráter erótico não se coadunam com a mensagem do Novo Testamento. Na dimensão espiritual de Jesus e dos apóstolos, a beleza é puramente espiritual (1 Tm. 2:9,10; 1 Pd. 3:1-4), pois o reino de Deus é espiritual.

Há mais uma corrente: Muitos autores consideram o Cântico dos Cânticos uma alegoria que conta a relação ente Jeová e Israel, sob a imagem do amor conjugal e mútuo. O profeta Oséias diz: “Jeová me disse: Vai outra vez, ama uma mulher, amada do seu amigo, e adúltera, como Jeová ama os filhos de Israel, embora eles olhem para outros deuses” (Os. 3:1). Outros textos paralelos: Ez. 16:8; Is. 50:1; 52:1-3; 54:4-8; 62:4-5.

Dessa forma pensam a tradição judaica, Maimômides (sábio rabino do século doze), a maior parte dos exegetas católicos, e muitos protestantes. Expomos a seguir essa exegese, que nos parece muito lógica, pois o Cântico dos Cânticos era sempre lido ao oitavo dia depois da páscoa, que marcava o início do tempo de Israel (Ex. 12:1-2). Seria um memorial eterno (Ex. 12:17). Como o livro dos Cânticos está ligado profundamente à história de Israel desde o princípio, o livro celebra a união de Jeová com o seu povo.

– A Sulamita é figura de Jerusalém (Ct. 1:5; 2:7; 3:5,7,11; 5:8,16; 6:4; 8:4).

O rei (Jeová) me introduziu nas suas recamaras. Seu amor é mais forte do que o vinho, os retos te amam” (Ct. 1:4). (A frase: ‘Os retos te amam’, indica o período da lei).

“Sou morena porque o sol me queimou” (Sl. 84:11). “Os filhos da minha mãe se indignaram contra mim, e me puseram por guarda das vinhas. A minha vinha não guardei” (Is. 5:1-7; Ct. 1:5-6).

“Dize-me tu onde apascentas o teu rebanho, pois por que razão seria eu como a que erra ao pé do caminho?” (Ct. 1:7). Este texto lembra as prostituições de Israel.

“Às éguas do carro de Faraó te comparo, ó amiga minha” (Ct. 1:9). Esta comparação faz alusão ao povo de Israel no Egito dissoluto.

“O meu amado é para mim um ramalhete de mirra; morará entre os meus seios” (Ct. 1:13).

“Eis que és formosa, ó amiga minha, eis que és formosa; os teus olhos são como os das pombas” (Ct. 1:15).

Sendo o Cântico dos Cânticos ligado à história de Israel desde o princípio, ligado a Jeová, pois Sulamita é figura da esposa de Jeová, isto é, Jerusalém, como lemos acima, Sulamita é comparada a uma pomba como o povo de Israel é comparado às pombas (Is. 60:8).

Sulamita é comparada a uma pomba, muitas vezes, no livro de Cantares: 1:15; 2:14; 4:1; 5:2; 6:9. Como a pomba pode ser enganada e sem entendimento (Os. 7:11), então não pode ser o Espírito Santo do Pai, e como o batismo de João não era o batismo de Jesus (At. 19:1-6), a pomba que desceu sobre Jesus no batismo de João simbolizava a união de Cristo com Israel, de quem a pomba é figura.

Os quatro Evangelhos concordam que o Espírito desceu como pomba, e Lucas diz mais: “E o Espírito Santo desceu sobre ele em forma corpórea, como pomba” (Lc. 3:22).

O Espírito Santo que desceu sobre Jesus era o de Jeová e não do Pai.

O Espírito Santo de Jeová era inimigo de Israel (Is. 63:10) e o Espírito Santo do Pai é advogado, consolador, guia e intercessor, pois era o Paráclito (Rm. 8:26). O Espírito Santo do Pai é o amor do Pai (Rm. 5:5): opera o novo nascimento (Jo. 3:3-6): transforma os piores pecadores em santos (1 Co. 6:10-11).

Por que o Espírito Santo de Jeová desceu em forma corpórea sobre Jesus, sendo que era inimigo de Israel, e pelejava contra eles? Porque Jesus, como Messias de Israel, iria reinar com vara de ferro despedaçando e quebrando-o como vasos de oleiro (Sl. 2:7-9). Mas Jesus rejeitou o mal, isto é, reinar tiranicamente, e escolheu o bem, isto é, dar a vida pelos homens a fim de salvá-los (Hb. 1:9; At. 10:38).

 

Autoria: Pastor Olavo Silveira Pereira

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